LINGUAGENS DO AMOR EXISTEM? O QUE DIZ A CIÊNCIA SOBRE CONCEITO VIRAL NAS REDES SOCIAIS
Ideia foi descrita em livro publicado nos anos 1990 por pastor batista e conselheiro matrimonial norte-americano; estudo recente encontrou lacunas na proposta da obra
Palavras de afirmação, tempo de qualidade, presentes, atos de serviço e toque físico: quem costuma circular pelas redes sociais pode reconhecer essas expressões como as cinco linguagens do amor. O conceito foi descrito em um livro dos anos 1990, de autoria do pastor batista e conselheiro matrimonial norte-americano Gary Chapman.
A obra As Cinco Linguagens do Amor: Como Expressar Um Compromisso de Amor a Seu Cônjuge vendeu mais de 20 milhões de cópias no mundo. E o conteúdo não ficou apenas nas páginas do livro. Um site próprio permite fazer um teste para descobrir qual é a sua linguagem do amor. Por meio de redes sociais oficiais (como o Instagram @5lovelanguages), são divulgadas informações sobre conselhos amorosos.
Mas, buscando entender cientificamente o tema, um artigo publicado em 2024, na revista Current Directions in Psychological Science, encontrou lacunas na ideia das cinco linguagens do amor.
Três pesquisadores de universidades do Canadá afirmam, por exemplo, que estudos mostram que as pessoas tendem a valorizar diferentes formas de expressar amor e de se sentir amadas. Mais do que isso: algumas formas não seriam abarcadas pelas cinco propostas, como desenvolver estratégias eficazes de gerenciar conflitos e apoiar a autonomia e os objetivos pessoais do outro fora do relacionamento.
O que são as cinco linguagens do amor
O livro de Chapman traz como cinco formas principais de se comunicar o amor:
O autor incentiva que cada pessoa descubra a sua principal linguagem do amor, ou seja, como gosta de se sentir amada. Ao mesmo tempo, saiba qual é a linguagem principal do parceiro ou da parceira.
"Somos mais do que isso"
O artigo publicado na revista Current Directions in Psychological Science trouxe críticas a três premissas que fundamentam o livro de Chapman: de que existem cinco linguagens do amor, de que cada pessoa tem uma principal e de que, quando casais "falam" a mesma linguagem, têm um relacionamento de maior qualidade.
Entre os achados, a pesquisa afirma que estudos que buscaram testar a ideia da importância de casais terem linguagens compatíveis não encontraram "suporte empírico" de que isso geraria uma maior satisfação no relacionamento. De acordo com os pesquisadores, trabalhos recentes "revelaram que as expressões de todas as linguagens de amor estavam positivamente associadas à satisfação no relacionamento, independentemente da preferência da pessoa".
A falta de uma teoria embasada e pesquisada para dar conta das cinco linguagens é citada pela psicóloga Larissa Montardo Machado, especialista em terapia familiar e integrante da Sociedade de Psicologia do Rio Grande do Sul. Na avaliação dela, a ideia "reduz as pessoas":
— A pessoa vai estar muito condicionada. Então, se eu sou a linguagem do toque físico... isso me reduz muito, me bota até um rótulo de que eu sou a pessoa do toque físico. Mas somos mais do que isso. Somos muito complexos. E não tem como me reduzir apenas a isso.
Um olhar para o passado
Um aspecto que Larissa reforça é a importância de se entender o papel da família e a infância, já que as crianças aprendem a partir dos comportamentos que são apresentados. Os pequenos precisam ter estímulos sociais para se desenvolverem emocionalmente. Da mesma forma, dentro do núcleo familiar, as pessoas tanto são influenciadas como influenciam umas às outras.
— Provavelmente, se os meus pais tiveram algumas dificuldades, eles vão passar para mim essas mesmas dificuldades. Eu vou ter que dar conta disso. E o que acontece muito dentro das relações de casais é tu passar aquilo que tu não teve para o teu parceiro. Então, tu quer que o outro corresponda aquilo que tu não teve — detalha.
Segundo ela, o livro pode trazer contribuições no caso de pessoas que já tenham um autoconhecimento maior. Também funciona como um convite à conexão, ajudando a entender que, para se estar com alguém, é necessário investimento de tempo, escuta e conversa, além de disposição para conhecer o outro e se conectar.
A psicóloga, porém, argumenta que, para além de uma única linguagem e de uma separação em "caixinhas", no final das contas, as pessoas precisam de um pouco das cinco linguagens.
Uma ajuda para casais
Conforme o pastor Eduardo Gois, que atua na Igreja Batista Betel, em Porto Alegre, o livro de Chapman é usado como auxílio a casais com problemas para comunicar com clareza o quanto amam um ao outro. A Bíblia, segundo Gois, é o livro no qual consta a base dos ensinamentos.
Gois, que realiza aconselhamento matrimonial, explica que não existem "gurus" a serem seguidos dentro da Igreja Batista. Mas, sim, "bons pastores que produziram bons materiais teológicos que servem como base", como é o caso de Chapman.
— Muitas pessoas, muitos casais, amam um ao outro, mas não sabem comunicar isso. É muito comum, por exemplo, em um casamento, o marido que gasta horas no trabalho para trazer comida para a mesa, como muitos dizem. Mas ele não gasta tempo com a esposa quando volta do trabalho. E, na mente desse marido, ele já está dizendo que ama ao sair cedo para trabalhar. Só que a esposa quer tempo de qualidade — exemplifica.
O pastor destaca que hoje o principal é fugir do egocentrismo, da busca por um romance pensando em como o outro pode atender às expectativas de quem o busca. Para ele, aliás, as limitações no uso da obra de Chapman não estão no conteúdo em si, mas em quem usa os ensinamentos como argumento para manter traços egoístas.
Como manter um relacionamento duradouro e saudável?
Na opinião do pastor Eduardo Gois, o segredo está na decisão de amar:
— Amar não é um sentimento. É claro que vai envolver sentimentos, mas amar é uma decisão. Quando um casal decide estar junto, eles decidem por amar. E eles vão se esforçar para viver esse amor na prática.
A boa comunicação é a chave, segundo a avaliação da psicóloga Larissa Montardo Machado. A pessoa precisa poder ser o que é, com defeitos, medos e inseguranças, assim como permitir que o outro seja ele mesmo.
Fonte: Zero Hora/Revista Donna/Isadora Garcia em R17/10/2025