LIBERDADE SOB MEDIDA
A condenação do comediante Léo Lins assusta não só pela pena. Assusta pela mensagem: dizer bobagem virou crime hediondo
No país onde a justiça prende comediante e solta funkeiro investigado por ligação com o tráfico, a liberdade de expressão virou uma figura retórica, daquelas que só funcionam em aula de redação.
Léo Lins foi condenado a oito anos de prisão por piadas de mau gosto. Não há discussão aqui sobre o conteúdo: as piadas são realmente ofensivas, de mau gosto indiscutível e risível apenas para quem acha que provocar é sinônimo de ofender. Mas a pergunta que se impõe é outra: isso deve dar cadeia? Quando foi que passamos do cancelamento para o encarceramento?
A condenação assusta não só pela pena. Assusta pela mensagem: dizer bobagem virou crime hediondo. E a dúvida que fica é: se a justiça começa a legislar sobre o que pode ou não ser dito no palco, o que impede que o próximo a responder criminalmente seja um roteirista, um cronista, um tuiteiro ou um colunista de jornal?
A resposta pode estar, ironicamente, no mesmo noticiário. Porque enquanto Léo Lins era condenado, MC Poze do Rodo era libertado. Preso preventivamente por suspeita de receber dinheiro do Comando Vermelho e usar suas músicas como vitrine pro tráfico, ele foi solto logo na sequência, debaixo de manifestações indignadas da classe artística que dizia que o cantor só fala da realidade de onde vem, e não faz apologia a nada. No mesmo dia da libertação, lançou música nova e foi recebido com buzinaço, foguetório e um amigo — filho do líder do Comando Vermelho — subindo no teto de um ônibus, como se tivesse conquistado a Libertadores.
A música nova é uma espécie de manifesto: mistura de resposta ao sistema com marketing de vítima. Tem letra sobre fé, injustiça e superação. E serve tanto para alimentar o engajamento quanto para tentar redefinir a narrativa.
Não se trata de comparar culpabilidades. Poze ainda será julgado, Léo ainda pode recorrer. Mas o contraste escancara uma incoerência estrutural: no Brasil, há artistas que são presos por dizer o que não devem e outros que são aplaudidos mesmo quando estão sendo investigados por muito mais.
A gente não precisa aplaudir piada cretina e nem apologia à violência, ao crime organizado, ao consumo de drogas. Mas precisamos entender que liberdade não é um prêmio por bom comportamento, é uma garantia justamente pra quem diz o que ninguém quer ouvir.
No fim, a sensação que fica é de que vivemos num país onde cantar sobre fuzil e lavar dinheiro pro tráfico é arte de resistência, mas fazer piada preconceituosa é crime hediondo. Onde o que determina o castigo não é o ato em si, mas o desconforto que ele provoca — e em quem.
Isso não é uma defesa de nenhum dos dois. É só o lamento de quem ainda acha que liberdade de expressão é mais do que uma cláusula perdida na Constituição. Porque, se continuar assim, só vai sobrar liberdade pra quem canta o que agrada e cadeia pra quem ri da piada errada.
Fonte: Zero Hora/Gabriel Sant’Ana Wainer em 07/06/2025