Mistura histórias de vida (da sua e de outras) com histórias imaginadas?
Sim. Assim foi o início e continuará acontecendo. Tomei como lição frases do escritor Erico Verissimo, “ele dizia que não escrevia a vida como ela era, mas como ele gostaria que fosse” ou “Nenhum escritor pode criar do nada. Mesmo quando ele não sabe, está usando experiências vividas, lidas ou ouvidas, e até mesmo pressentidas por uma espécie de sexto sentido.” Uso o cotidiano, experiências vividas, sentidas e até sonhadas.
O que te levou a começar a escrever? Quando foi isso?
Em 2012, quando parei de fumar. Foi a decisão que mudou a minha vida. Não uma mudança para a frente e sim voltar no tempo.... Redescobrir quem eu era. Como se durante muitos anos, minhas lembranças estivessem encobertas pela fumaça dos meus cigarros. Eu sonhava muito com doces recordações... e pensei num livro para acomodá-las. Foi bem na época do 50 Tons de Cinza aqui no Brasil e logo pensei: Puxa vida! Não existe mais sexo normal? Precisa ser sempre algo doentio e sádico? Então, como a minha libido estava subindo nas paredes, por causa da ausência da nicotina e outras substâncias do cigarro, liberei escrevendo “Ensaios para a Lua de Mel”, que foi uma mistura de lembranças, momentos, ficção e realidade... Foi muito bom!
A música influencia você?
Muito. Lembro de todas que marcaram a minha vida até então. Marcaram momentos importantes, românticos, sedutores. Ensaios..., a escrita foi embalada pelo Coldplay; Fragmentos... as poesias foram escritas ouvindo Coldplay, Bruno Mars, Michel Pepé, Kitano, Epic Music Emotional e outras...; tenho engavetado três livros e já escolhi a trilha sonora para acompanhar a escrita... um dia consigo terminar!
Dizem que o sonho de todo escritor é publicar um livro físico com editora renomada. Você concorda? É seu sonho também? Já realizou? Acha importante para o curriculum de escritor?
Não. Nunca pensei nisso dessa forma. Quero é publicar. Quero ser lida! E se eu puder publicar do meu jeito, no meu estilo, sem contrato e sem precisar seguir regras pré-estabelecidas, melhor! Quando escrevi Ensaios... fiquei nove meses procurando patrocínio, pois uma editora pediu 16 mil para custear a publicação, isso, sem o valor de distribuição, para mil exemplares, lá em 2012. Ainda bem que eu não consegui o patrocínio. Também tenho arrependimentos pela publicação do livro em 2014. Não gostei da diagramação.... É por isso que hoje existe a Leia Livros Editora e Livraria. Posso fazer meus próprios livros e contar com o design da amiga Nanci Penna. E hoje, também não se imprime mil exemplares.
Estamos vivendo uma era tecnológica, livros estão sendo descartados, ler está quase supérfluo.
Você apontaria algumas estratégias para que a leitura não ficasse tão aquém a essa realidade?
Devemos começar lendo para os bebês ainda no útero... A mãe e o pai lendo para o seu futuro filho. Então, ao nascer a leitura deve continuar em todos os anos, no período da infância, mesmo que o bebê vá para uma creche. Os pais precisam ler, dar o exemplo.... As escolas devem investir mais em leitura, em mais livros. Cabe aos professores estimular a leitura com seus alunos. Observando as fotografias e comentários do lançamento de um livro de cliente da Leia Livros, no interior do Rio de Janeiro, percebi a importância das cidades no desenvolvimento da literatura e da cultura como um todo. Acho que estamos cobrando ações no lugar errado, no caso, sempre responsabilizamos o governo federal ou estadual... quando, na verdade, as coisas acontecem nas cidades. Deveria ficar a cargo das secretarias municipais de educação e cultura, ações de estímulo à leitura, promover melhor nas cidades, feiras literárias, concursos, doações de livros, edição de livros e por aí seguem os estímulos.
Qual o sentido de escrever nesses tempos robóticos?
Até bem pouco tempo, não usava o tal do WhatsApp, fui impelida por causa da editora, para facilitar o contato com os autores. Eu ainda uso blocos de anotações, cadernos e agendas escritas. Ainda não estamos vivendo em tempos tão robóticos, mas num futuro mais ou menos próximo, eles vão levar nossos empregos e outras coisas mais. Melhor viver o que temos agora e deixar para pensar sobre isso quando acontecer... Preocupam as ações da IA, o mau uso da tecnologia. Já existem inúmeros livros à venda na Amazon, que foram escritos por uma Inteligência Artificial. Podemos imaginar o que vai acontecer lá na frente, num futuro próximo, mesmo que não tenhamos certeza de nada é preocupante. E aí você pensa no enredo de O Exterminador do Futuro e parece que a ficção está virando realidade.
Qual gênero se identifica mais para escrever? E qual tem mais dificuldade?
Sou romântica e o meu fio condutor é o amor. Gosto de arte, de flores, de poesia, da beleza, da suavidade.... Também gosto de comédia. Não sou muito chegada em tragédias, prefiro uma comédia romântica. Eu costumava dizer que jamais conseguiria escrever um texto policial com violência e mortes, mesmo gostando de séries e filmes do gênero. Participei com dois textos suspense/violência, na coletânea Pavor & Cia, e gostei da experiência.
Algum autor influenciou você?
Não exatamente um autor. Um romance sadomasoquista me estimulou a escrever o contrário. Não posso entender como alguns dizem: gostaria de ter escrito esse livro ou aquele outro, tratando-se de best-sellers ou de escritores renomados. Acho que a escrita é pessoal, e de alguma maneira é preciso viver aquilo, para poder escrever ou pelo menos uma parte e aí você pode preencher os espaços usando a sua imaginação.
Costuma ler seus livros depois de publicados? Se sim, sente-se feliz ou acha que poderia ter escolhido outras palavras, outros personagens...ter feito melhor?
Sim. Cada vez que leio quero mudar. Principalmente Ensaios... que ficou a desejar em algumas coisas. Posso sentir a emoção daquele amor, mas usaria outras palavras, uma entonação diferente. Estou arrastando a Lua de Mel do casal Walker... falta tempo e quero algo muito especial. Até as frases que escrevo no Facebook eu leio várias vezes... e aí depois de publicado, leio de novo e encontro um erro ou letras adicionadas... Credo, como não vi antes? Nada é definitivo, sempre pode ser melhorado.
Como se sentiu quando publicou o seu primeiro livro?
O primeiro seria o único. Não tinha a menor intenção de continuar escrevendo. Então, fui em busca de editora. Encontrei uma que publicaria se eu pagasse todos os custos. Saí procurando patrocinador. Durante nove meses eu tentei conseguir a verba para publicar o livro. Acabei me envolvendo com aquela busca e tornou-se um desafio a publicação. Quando realmente foi publicado, em 2014, tudo estava diferente. Eu sonhara com o lançamento e a forma como gostaria de fazer a divulgação aqui em Porto Alegre e não aconteceu nada. Deixei para lá. Também não conhecia o mercado literário e era inexperiente nesse quesito.
Quando decidiu vestir a camisa e dizer que era uma escritora? Foi no momento que escreveu o primeiro texto/poesia ou levou um tempo? Quanto tempo?
Quando interagia com outros que escreviam nas redes sociais, Facebook e Twitter, ainda não nos chamávamos de escritores. Participei de um grupo ativamente, lá em 2013-2014 que ajudou a mudar minha vida e decidir que eu queria viver para a literatura, mesmo que isso fosse mudar radicalmente as minhas finanças.... Também em 2014, sequer tinha livro publicado e fui convidada a participar de uma academia de letras. Achei um absurdo, pois nem me considerava uma escritora. Aprendi muito e continuo aprendendo, mas também já ensinei muitos autores. Dedicação é fundamental. Isso é vestir a camisa. Eu me considero uma ativista literária.
Escrever tem sinônimo de que para ti?
Liberdade! Na minha biografia tem uma frase que responde melhor: “A Literatura me dá a liberdade de ser eu mesma e, percorrer caminhos desconhecidos na minha própria essência.” Ser proprietária, dona de um personagem, tem um poder imensurável.
Quais histórias ainda estão engavetadas? Pretende publicar?
Tenho várias histórias engavetadas: A Lua de Mel do casal Walker, a continuação de Ensaios...; Magnólia; Teresa; uma coletânea de contos e dependendo do que acontecer na minha vida, poesias, muitas poesias.
O que a faz continuar escrevendo, se no nosso país, literatura estrangeira ocupa cada vez mais espaço, principalmente entre os jovens?
E vamos desistir? Jamais! O problema no Brasil é cultural. Sempre, desde o descobrimento, tudo vinha da Europa... e continua vindo. Temos que mudar o conceito. Como? A minha parte eu estou fazendo. Tenho amigos e amigas que fazem a parte deles... mas não chega! Precisamos de muitos fazendo cada um a parte que lhes cabe. Os próprios autores, alguns não se preocupam com sua identidade, sua trajetória. Aqui mesmo no FLAL, o festival é preterido por alguns que nós, da equipe, conhecemos. Esquecem que assumiram um compromisso, culpam a equipe, que é voluntária. Ora, faz favor, né? Não adianta só culpar a literatura estrangeira se a nacional não faz por merecer!
O que vocês preferem feedback ou vendas?
O dinheiro é tão ínfimo na venda de um livro, que o feedback causa mais efeito, faz feliz, alimentando o ego e a escrita. É muito bom ser lido, ser apreciado o seu texto.
Por Nell Morato em 06/09/2024