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Como os ipês conquistaram a capital gaúcha
Como os ipês conquistaram a capital gaúcha

O ROSA, O AMARELO E A IDENTIDADE DE PORTO ALEGRE: COMO OS IPÊS CONQUISTARAM A CAPITAL GAÚCHA

Além de embelezar a paisagem e ter um papel importante no ecossistema da cidade, sua floração marca o fim do inverno e anuncia a chegada da primavera

 

Todos os anos, nesta época, os porto-alegrenses dividem a cidade com um antigo conhecido que, entre prédios cinzas, se destacam pela vivacidade e beleza. Os Handroanthus, ou ipêscobrem ruas e praças, e o amarelo e o rosa chegam a engolir os fios elétricos.

 

Atualmente, os ipês-roxos e amarelos são as árvores mais plantadas pela prefeitura nas áreas públicas de Porto Alegre, conforme explica o engenheiro-agrônomo Diogo Del Ré, da Coordenação de Arborização Urbana da Secretaria de Meio Ambiente, Urbanismo e Sustentabilidade (Smamus) de Porto Alegre.

 

Ele conta que o plantio planejado de ipês no sistema viário da cidade começou na década de 1980. A escolha se deu por serem nativos do Estado, e também pelo tamanho e forma ideais para o espaço urbano, além da facilidade em se desenvolverem no clima da cidade.

— Eles se adaptaram muito bem a Porto Alegre. Têm facilidade de crescer até nas calçadas — confirma Paulo Brack, biólogo e mestre em Botânica, que é professor do Departamento de Botânica da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

 

Origem do nome 

Ainda conforme o professor, o nome ipê vem do tupi e significa “casca dura”. Também é conhecido como “pau-d’arco”, pois os indígenas nativos do Brasil utilizavam a madeira oriunda para fabricar arcos de caça e defesa. 

 

Ele explica que, apesar de ser chamado de “árvore”, o ipê é, na verdade, um gênero botânico, chamado cientificamente de Handroanthus, que reúne diversas espécies nativas da Mata Atlântica:

— O Estado, conhecido pelo pampa, também tem uma parcela do outro bioma, e por isso acolhe tão bem o gênero. Dentro deste grupo maior, existe uma grande variedade de espécies. Cada uma possui características próprias: altura, formato de copa, cor das flores e época de floração. 

 

As espécies mais comuns na cidade, de acordo com Diogo, da Smamus, são o ipê-roxo e o ipê-amarelo-miúdo. O roxo — que, na verdade, tem tons de rosa — floresce em agosto, marcando o fim do inverno e anunciando a chegada da primavera, que começou oficialmente na última segunda-feira (22). Um pouco antes de a cidade se encher de rosa, o amarelo floresce, entre julho e agosto

 

Paulo destaca que, mesmo sendo as mais comuns da Capital, as duas espécies não são nativas de Porto Alegre, ou seja, não cresceram naturalmente na cidade, mas foram introduzidas por ações humanas. O amarelo, por exemplo, vem de Santa Catarina e do Paraná.  

 

"Ipê é um ecossistema inteiro"

Os ipês ainda possuem vantagens evolutivas para acabar com a concorrência. Uma delas é a facilidade com que se reproduzem.

— Os ipês produzem muita semente. Frutos destas espécies produzem mais de uma centena de sementes que voam pelo vento e facilitam a propagação — destacou o biólogo.

 

Há, também, a dispersão das sementes feitas pelos animais e insetos, como explica a bióloga Isabela Kirsten, mestranda pela UFRGS, que estuda as comunidades arbóreas locais. A fauna ajuda a reproduzir a espécie porque também são conquistadas pelos ipês:

— As flores são ótimas para a polinização das abelhas nativas e as aves comem as flores de ipê, ajudando na propagação.

 

As árvores também atraem insetos e beija-flores, "servindo como abrigo e local de reprodução da fauna".

— Pelo porte da árvore se faz muitos ninhos de aves, tem outros animais e plantas que vivem ligadas à árvore. O ipê é um ecossistema inteiro — diz a bióloga. 

 

Ipê-roxo (Handroanthus heptaphyllus)

  • Altura média: 20 a 35 metros
  • Tronco: 60 a 80 cm de diâmetro
  • Flores: entre junho e agosto, tons de rosa e roxo
  • Ocorrência: florestas de encosta de morros na porção oeste do RS e nas bacias dos rios Uruguai e Jacuí

 

Ipê‑amarelo-miúdo (Handroanthus chrysotrichus):

  • Altura média: 7 a 16 metros
  • Tronco: 40 a 50 cm de diâmetro
  • Flores: entre agosto e outubro
  • Ocorrência: comum em Santa Catarina; não é nativo do Rio Grande do Sul

 

Ipês nativos da Capital

O professor Paulo Brack lembra que, mesmo não sendo tão populares, existem ainda as espécies de Handroanthus que são nativas de Porto Alegre: o ipê-da-praia e o ipê-verde, que florescem em dezembro e nascem naturalmente na capital gaúcha.

 

ipê-da-praia (Handroanthus pulcherrimus), segundo ele, tem as flores amarelas e floresce em novembro, típico das florestas de áreas arenosas de Porto Alegre, como o Lami e Belém Novo, nas proximidades do Guaíba. É pouco conhecido e praticamente não usado na arborização.

 

Mesmo com o nome em comum, o ipê-verde (Cybistax antissiphyllitica) faz parte de outro gênero e tem suas próprias características, com flores verdes em tom amarelado. 

 

Outra espécie destacada pelo professor é o ipê-da-serra, que também com flores amarelas. Ele conta que essa é a árvore que deu o nome ao município de Ipê, que faz fronteira com Antônio Prado, na serra gaúcha. Ele se localiza nas matas com araucária, mas, conforme o professor, existe um exemplar dessa espécie, plantado na Avenida Ipiranga, que floresceu em 10 de setembro do ano passado.

Ipê-roxo é um dos mais comuns na capital gaúcha.

 

O que é nosso

Os especialistas também destacam que os ipês não são populares apenas no Rio Grande do Sul e em Porto Alegre: a árvore pode ser encontrada em todo o Brasil

 

Em 1961, o então presidente Jânio Quadros assinou um decreto que tornaria o ipê-amarelo a flor nacional do Brasil. O documento, no entanto, foi arquivado e nunca aprovado. Em 1974 e 1975, o deputado Diogo Nomura apresentou projetos para declarar o ipê-amarelo como flor nacional, mas ambos também foram arquivados.

 

Os profissionais ouvidos pela reportagem ressaltam que a valorização das árvores nacionais em relação às estrangeiras, tanto pela população quanto pelos urbanistas, é relativamente recente.

— Antes se plantavam mais exóticas, até 1960, por aí. Depois surgiu a preocupação de plantar ipês e espécies nativas — disse o professor Paulo.

 

Em Porto Alegre, por exemplo, a árvore mais comum é nativa da Índia: a extremosa, bastante parecida visualmente com o ipê, mas que floresce no começo do verão. Foi muito usada na arborização urbana por ser menor e de fácil manejo, mas, de acordo com a Smamus, a árvore não é mais plantada pelo poder público em função da baixa tolerância à erva-de-passarinho.

— Hoje, tenta-se manter as espécies nativas. Nos plantios de reposição, a legislação já prevê o uso de espécies nativas. A conscientização técnica atual é em torno do nativo — reforça Isabela.

 

"Há uma questão sentimental"

Nas redes sociais, cresce um movimento que defende valorizar mais as espécies nativas em vez de supervalorizar as exóticas. Usuários comparam os ipês às cerejeiras do Japão, chamadas de sakuras, que são atrações turística e cartão-postal do país asiático.

 

“Só uma opinião mesmo, acho o ipê-rosa mais bonito que a sakura do Japão”, disse uma internauta. “Nosso ipê é subestimado demais”, respondeu outro.

 

A bióloga Isabela Kirsten opina sobre o que pode estar por trás do carinho e apreço a essa árvore:

— Há uma questão sentimental e também ligada à nossa identidade; são as árvores que estão no mesmo ambiente que nós e às quais acabamos atribuindo significados.

 

Para a bióloga, os ipês simbolizam o recomeço que a árvore anuncia todo ano. Por isso, ela tatuou um ipê-amarelo:

— É o sinal de que a primavera está chegando, uma renovação, saindo da melancolia do inverno.

 

A percepção da população

Esse olhar também é compartilhado pela estudante da Região Metropolitana de Porto Alegre, Zara Mattos de Magalhães, 23 anos:

— Quando a gente está num dia pesado, às vezes triste, com muitos problemas, olhar para as ruas e ver as árvores floridas é um lembrete de que ainda existe vida boa, colorida e leve.

 

Além disso, Zara atribui aos ipês um significado pessoal. Nascida na primavera, sempre que a cidade se enche de flores, a família lembra que sua data especial se aproxima, criando, segundo ela, uma atmosfera de amor e entusiasmo.

 

Marize Vargas, 67 anos, artista plástica e moradora do bairro Menino Deus, também atribui um significado especial aos ipês, que, segundo ela, anunciam o fim do inverno "de um jeito quase escandaloso de tão lindo":

— Em frente de minha janela tem um pequeno ipê-amarelo. No ano passado quase não floresceu, talvez por causa da enchente. Mas, neste ano, se cobriu de flores, é a vida se refazendo diante dos meus olhos.

 

Fonte:  Zero Hora em 27/09/2025