ESPECIALISTAS DÃO DICAS DE COMO ABORDAR O TEMA POR FAIXA ETÁRIA
Diálogo e acolhimento ajudam a prevenir abusos, desinformação e sentimentos negativos nas relações, dizem especialistas
Em casa, o assunto é tabu. Na escola, falta espaço. Vista como possível solução, a internet pode criar visões distorcidas sobre corpos, saúde e relacionamentos. Para especialistas, quando o assunto é sexo, o silêncio dos adultos de confiança pode deixar as crianças e os adolescentes mais vulneráveis a abusos, desinformação e relações marcadas por medo e culpa.
A psicóloga e sexóloga Ana Rita Martins entende que falar de sexo desde cedo é essencial para o desenvolvimento saudável das crianças e adolescentes. Longe de incentivar o início precoce da vida sexual, como muitos acreditam, ela defende que essas conversas auxiliam os jovens dessa faixa etária a ter mais segurança e autonomia para tomar boas decisões e ter experiências positivas.
— A educação sexual não é sobre ensinar sexo: é sobre ensinar vida. É sobre autoconhecimento, respeito ao próprio corpo, limites, afeto, proteção, consentimento e construção de relacionamentos saudáveis. Isso é muito importante, principalmente para crianças e adolescentes — reforça a especialista, que também é mãe.
A educação sexual faz parte da lista de Direitos Sexuais e Reprodutivos, segundo o Ministério da Saúde, e deve ser garantida desde a infância. A responsabilidade é compartilhada entre família, escola e profissionais da saúde, como médicos de referência e psicólogos, sempre com atenção à maturidade e ao contexto de cada criança.
Quando e como começar a falar sobre o assunto?
Apesar de muitos pais acreditarem que a educação sexual deve ser postergada até a adolescência, especialistas afirmam que a tarefa começa na primeira infância. Ana Rita explica que, ao nomear corretamente as partes do corpo (sem apelidos ou nomes no diminutivo) durante o banho ou a troca de fraldas, os adultos ajudam a construir desde cedo noções importantes para evitar abusos e garantir integridade física e respeito.
É importante sempre pedir o consentimento à criança, dizer que ela é dona do corpo dela. Os pequenos têm que ter responsáveis, como a mãe e o pai, que sejam as referências e as pessoas autorizadas a, por exemplo, lavar ou dar banho. E aí, quando for fazer, perguntar se pode tocar e explicar o que vai acontecer. — Ana Rita Martins/Psicóloga e sexóloga
Depois, a partir dos dois anos, começa a longa fase das perguntas. "Como eu nasci?" ou "Por que meninos têm pênis e meninas têm vaginas?" podem ser questionamentos comuns dos pequenos. Nesses casos, a dica é dar uma resposta simples e direta, no mesmo nível de complexidade em que a pergunta foi feita, sem se aprofundar mais do que a curiosidade da criança exige.
Reprimir essa curiosidade pode gerar sentimentos de vergonha e prejudicar o processo de aprendizado, afirma a especialista. Responder com naturalidade e acolhimento ajuda a construir confiança e favorece a criação de uma relação saudável com o tema.
Construção da intimidade
A educação sexual também envolve noções de gênero e sexualidade, que começam a se formar na infância e são fundamentais para o desenvolvimento da identidade. No Colégio João XXIII, localizado no bairro Santa Tereza, em Porto Alegre, o assunto faz parte do conteúdo programático e do currículo oculto, como é chamado tudo que os alunos aprendem na escola sem estar formalmente previsto desde o início. O psicólogo institucional do colégio, Drean Falcão da Costa, relata:
— Para trabalhar gênero e sexualidade, começamos na construção da intimidade: que a criança tem um corpinho, que é dela e precisa ser cuidado. Ao longo do desenvolvimento, vamos complexificando isso. Vamos pensando as diferenças entre meninos e meninas, a identidade da criança, como essa identidade está em relação à escola e à família.
Conversas na adolescência
Conforme a criança cresce e se aproxima da adolescência, as conversas sobre sexo, corpo, sentimentos e relacionamentos tendem a ganhar mais clareza e profundidade. A hebiatra (médica especializada na saúde dos adolescentes) Priscila Amaral reforça que os pais devem acompanhar o ritmo da curiosidade dos jovens.
A partir dos oito ou nove anos, é comum surgirem dúvidas mais específicas, já que muitas crianças começam a vivenciar as primeiras transformações da puberdade, como o crescimento de pelos, mudanças de humor e um interesse crescente pelas próprias sensações e pelo corpo do outro. Priscila analisa:
— Nessa fase em que já começou a puberdade, é importante que eles fiquem em contato com o desenvolvimento do corpo, da maturação sexual, do crescimento do broto mamário, dos testículos, dos pelos, da altura, porque isso tudo também faz parte da sexualidade. Por volta dos 10 ou 11 anos, eles começam a ter aulas sobre reprodução humana no colégio. Aos 13 ou 14 anos, já começa um distanciamento, eles já não perguntam tanto.
Assuntos como reprodução humana, abordados nas aulas de ciências, e experiências marcantes da puberdade, como a primeira menstruação ou ejaculação, costumam despertar dúvidas e curiosidades que vão além do conteúdo biológico. Esses momentos podem ser ponto de partida para conversas mais aprofundadas sobre mudanças no corpo, sexo e prazer.
Vínculos afetivos
Priscila explica que, durante a adolescência, é comum que meninos e meninas deixem de lado a repulsa típica da infância pelo sexo oposto e comecem a desenvolver vínculos afetivos e interesses românticos. Esse novo olhar sobre o outro costuma abrir espaço para conversas mais amplas sobre relacionamentos, identidade, respeito, sentimentos e limites.
— Dá para perguntar se esse adolescente está gostando de alguém, se algum colega já namora ou se os colegas ainda são BV ("boca virgem", quem nunca beijou). Porque a participação dos grupos nessa fase é fundamental. Então, se os colegas ainda não beijaram, há uma chance muito grande de que aquele adolescente ainda não tenha beijado. Esse tipo de abordagem vai ser mais efetiva do que chamar o adolescente, sentar frente a frente e começar a explicar sobre sexo e namoro — sugere a hebiatra.
Questão de privacidade
A masturbação, que costuma surgir de forma mais frequente nessa fase, também pode ser um gancho importante para dialogar sobre desejo, privacidade e respeito ao próprio corpo, alerta Priscila:
— Tratar a masturbação como algo natural é importante, e isso também faz parte do acolhimento desse adolescente enquanto está se descobrindo. Dar privacidade ao adolescente não é deixá-lo sozinho nas redes sociais, mas bater na porta antes de entrar no quarto ou não entrar no banheiro enquanto ele está tomando banho. E se, eventualmente, algum cuidador flagrar seu adolescente se masturbando, agir com naturalidade. Se ele estiver fazendo isso no quarto ou no banheiro, está no lugar adequado. Se estiver na sala, por exemplo, vale uma conversa sobre aquilo ser algo da vida privada e precisar ser feito em local privativo.
Dados do Ministério da Saúde indicam que, em média, as meninas iniciam a vida sexual entre os 12 e 16 anos, enquanto os meninos costumam ter a primeira relação entre os 15 e 17 anos. Para as especialistas, é importante que as conversas sobre relações sexuais, consentimento, métodos contraceptivos, proteção contra infecções sexualmente transmissíveis (ISTs), respeito e prazer ocorram antes da primeira vez.
Os pais podem aproveitar recursos como novelas, séries e filmes para introduzir os assuntos.
Perigos na internet
Segundo a médica Priscila e a sexóloga Ana Rita, quando há silêncio, tabu, repressão ou vergonha em casa, é comum que adolescentes recorram à internet para tirar dúvidas sobre sexo. Sem o acompanhamento adequado, eles podem acabar expostos a conteúdos pornográficos, desinformações e visões distorcidas sobre o que é uma relação saudável, saúde íntima ou sobre como o sexo realmente acontece.
A pesquisa TIC Kids Online Brasil 2023 apontou que 9% dos usuários de nove a 17 anos alegaram que haviam visto fotos ou vídeos de conteúdo sexual na internet nos 12 meses anteriores ao levantamento. A edição de 2024 do estudo não investigou o acesso dos jovens a conteúdos dessa natureza.
Ser apresentado a conteúdo de pornografia antes dos 18 anos deveria ser considerado uma violência. Eles não têm maturidade para entender e diferenciar aquilo da realidade, porque não tiveram suas próprias experiências sexuais para poderem balizar o que é verdade e o que é uma coisa teatralizada. — Priscila Amaral/Hebiatra (médica especializada na saúde dos adolescentes)
É importante que adultos de confiança conversem com crianças e adolescentes sobre educação sexual antes desse contato com conteúdos online para que desenvolvam uma relação saudável com o próprio corpo e com o sexo. Essa orientação ajuda a cuidar da saúde íntima, entender identidade e sexualidade e evita que o sexo seja visto como algo errado, sujo, motivo de culpa e vergonha, ou baseado em padrões performáticos, como os da pornografia.
Educação sexual por faixa etária
Veja orientações da psicóloga e sexóloga Ana Rita Martins:
Até três anos
De quatro a seis anos
De sete a nove anos
De 10 a 12 anos
De 13 a 17 anos
Fonte: Zero Hora/Yasmin Girardi em 01/08/2025