UM CÓDIGO NA NUCA
Quando ela ergue os olhos e coloca o livro de volta à prateleira de Artes, ele sente o coração se espremer por um segundo antes de bombear paixão para todo o corpo. O rosto dela, como ele previa, é tão lindo quanto tudo o que observara a distância. Problema é que a cena ocorre em 2017, e ele esqueceu a última vez que abordou uma mulher sem usar mensagens de texto e emojis sorridentes. Não conhece outro protocolo de más intenções que não seja adicionar a pessoa nas redes sociais e espalhar umas curtidas.
Não dá para reclamar. Esse novo modus operandi resolveu a vida de jovens tímidos como ele, que ganharam tempo para formular a conversa mole antes de qualquer interação ao vivo. Agora, ali está o ônus. Centímetros ao lado da sua mulher de sua vida – bronzeadíssima, estilosa, interessada de arte, tão à vontade desfilando por uma livraria –, ele se sente como um estagiário diante do aparelho de fax.
Ele percebe que está há tempo demais diante da prateleira de Direito. Nenhum papo viria dali - “E essa Constituição interpretada pelo Alexandre de Morais, hein? Imperdível!”. Decide contornar a moça em direção à prateleira da esquerda, de Arquitetura, mais a ver com arte e coisa e tal. Na passagem, ele percebe a tatuagem dela, abaixo do coque: é um quadradinho preto, com diversos quadradinhos dentro. Ué?
Tomando cuidado para não abrir um livro de cabeça pra baixo, ele divaga. Já viu aqueles símbolos no jornal. Como se chamam mesmo? Ah sim, são QR Codes. Você aponta a câmera do celular para os quadradinhos e pode ter acesso a vídeos, fotos, gráficos e outras maravilhas no telefone. Isso ele supõe, pois nunca viu alguém testar. Digamos que funcione. Por que uma mulher tatuaria um código de leitura na nuca?
Quando se dá conta, fecha o livro com tal empolgação que a moça dá um pulinho de susto. É claro! Leu sobre isso certa vez. Sobre a solidão das belas mulheres. Os homens a julgam inatingível, e não sabem como se aproximar. O QR Code, certamente, dará acesso a uma de suas redes sociais. Trata-se de uma crítica bem-humorada, mas ao mesmo tempo uma adesão aos novos métodos de sedução. Que sacada! Que artista! Que mulher! Sua primeira mensagem (de texto, lógico) será um elogio à genialidade. Beijará aqueles quadradinhos até namorarem, só então irá propor cobri-los com uma borboleta.
Ele toma distância. Aponta o celular para as costas dela e aproxima a imagem da nuca até a câmera capturar o código para abrir… o Facebook? O Instagram? Nada disso. Na tela, uma única imagem, que se revela aos poucos, de cima para baixo, na lentidão da internet 3G. Primeiro, uma longa unha vermelha. Depois, uma falange. Depois, outra. Um dedo médio inteiro se revela, os demais estão abaixados. A imagem completa é de uma mão feminina de dedo em riste para ele. Abaixo, uma palavra em letras garrafais: “TARADO!”.
Fonte: ZeroHora/Caue Fonseca (caue.fonseca@revistadonna.com) em 17/11/2017