Não é o que se espera da Suprema Corte de um país democrático
O Brasil institucional abriu a semana com uma performance digna de nota: teve Supremo, teve samba, teve ameaça de prisão — e não faltou bossa nova.
Num vídeo que circulou no fim de semana, o presidente do STF, ministro Luís Roberto Barroso, apareceu num jantar beneficente promovido pelo CEO do iFood cantando Garota de Ipanema, aqui em São Paulo. Tudo muito animado, clima de rodízio e samba-rock, só faltou o paletó ser entregue por motoboy.
Ministros do Supremo, claro, têm direito à vida social. Mas a questão aqui é o momento e a mensagem. Quando a mesma Corte vem sendo acusada, com razão, de ultrapassar os limites da Constituição, a última coisa que se espera do seu presidente é uma cena em que tudo parece “em casa”. Ainda mais diante do que aconteceu horas antes em Brasília.
Durante um depoimento à Suprema Corte, o ex-ministro da Defesa Aldo Rebelo foi chamado como testemunha de defesa do ex-comandante da Marinha, almirante Garnier. Ao explicar que a expressão "deixar à disposição", usada pelo militar, não deveria ser interpretada de forma literal, Rebelo recorreu a um exemplo simples:
— Quando alguém diz "estou frito", não significa que está numa frigideira.
A frase deveria ter gerado um sorriso ou, no mínimo, uma réplica argumentativa. Mas o ministro Alexandre de Moraes, num tom que se tornou marca registrada, reagiu como um imperador contrariado: interrompeu o depoimento, questionou se Rebelo estivera presente na reunião e, diante da negativa, exigiu que ele se limitasse aos fatos. Quando Aldo tentou seguir com a explicação, Moraes ameaçou:
— O senhor será preso por desacato.
Sim, foi isso mesmo. Uma testemunha, chamada pela defesa, sendo intimidada não por um advogado exaltado ou por um promotor ansioso, mas pelo próprio juiz da causa. Ao vivo, na Suprema Corte.
Depois do episódio, Aldo Rebelo foi às redes e disse o que muita gente pensa, mas nem sempre tem coragem de dizer: que foi vítima de intimidação e que espera um pedido de desculpas. Difícil acreditar que vá recebê-lo. O trono é alto, e lá de cima, a autoridade raramente se constrange.
A verdade é que Alexandre de Moraes vem agindo como um monarca togado. Distribui advertências, ordena prisões, cala testemunhas e define o que é verdade com base no próprio humor. E quem ousa contrariá-lo, seja cidadão comum ou ex-ministro de Estado, corre o risco de sair escoltado.
Não é o que se espera da Suprema Corte de um país democrático. E muito menos de um ministro que se diz guardião da Constituição. Porque o que está em jogo aqui não é só um depoimento interrompido, é o tom da República. Um tom alto demais e cada vez menos afinado com o Estado de Direito.
Fonte: Zero Hora/Gabriel Sant’Ana Wainer em 26/05/2025