O CAPACHO BRASILEIRO: A TRISTE EXISTÊNCIA DE QUEM VIVE PARA DEFENDER POLÍTICO
É saudável ter um mestre, o problema é mergulhar em um servilismo cego que abre mão de qualquer senso crítico
Dá um cansaço, sabe? Não existe argumento que faça as pessoas refletirem. Em que momento mergulhamos nesse servilismo patético? Eu sei, não é novidade, mas ainda me surpreende a postura de capacho que tanta gente incorporou.
É saudável ter um mestre, claro, eu mesmo tenho vários: são eles que me ajudam a interpretar, questionar, compreender, ponderar, mas nenhum deles tem o poder de me anular. O que vemos hoje, em um fenômeno que atinge dos mais ignorantes aos mais letrados, é uma cegueira obediente que glorifica um sacerdote e abre mão de qualquer senso crítico.
O simples ato de pensar diferente do grande líder, ou seja, pensar por conta própria, já faz de você um inimigo. Aliás, vale lembrar que pensar por conta própria é a mesma coisa que só pensar. Porque pensar segundo padrões já estabelecidos — seja por convicções políticas, religiosas, morais ou culturais — não é pensar, é reproduzir pensamentos prontos.
E essa claque só faz isso. São incapazes de colher a opinião de seus mestres e, a partir delas, construir suas conclusões. Seus mestres nunca são um meio, um instrumento, um recurso a serviço do melhor caminho; eles são a personificação desse caminho, são a mais pura expressão da Verdade e da Certeza, portanto obedecer-lhes é uma honra, servir a eles é um orgulho, enaltecê-los é um tributo ao bem-estar da humanidade.
Quer dizer: um cidadão assim não pode, de jeito nenhum, reconhecer que seu líder errou. Porque, se reconhecer, a vida dele acaba. Ele viveu para exaltar esse líder, brigou com meio mundo para defendê-lo. Se parar de idealizar esse herói, a existência perde o sentido — e todos nós precisamos de um sentido para a nossa existência.
Isso explica o ódio à imprensa, inclusive. Afinal, se o mestre nunca erra, qualquer informação que atentar contra a perfeição do semideus será sempre conspiratória. Não há espaço para a dúvida, para a análise honesta dos fatos, para a percepção de que todos, sem exceção, somos falíveis.
E, antes de concordar com entusiasmo, pensando nas hordas cegas que idolatram o líder que você despreza, responda-me sinceramente: no fundo, você não faz igual? Ao condenar o servilismo alheio, não estaria você venerando seu próprio mestre, como se fosse ele o salvador? É fácil enxergar o capacho na casa dos outros. Difícil é perceber quando estamos ajoelhados, nós mesmos, diante do altar.
Fonte: Zero Hora/Paulo Germano em 29/11/2024