Nenhum ministro de Estado deveria ser tratado com o desprezo institucional que Marina recebeu
O que se viu nesta terça-feira (27) na Comissão de Infraestrutura do Senado não foi apenas uma sessão. Foi um vexame. Um daqueles espetáculos que dispensam cenário porque o roteiro já vem pronto do esgoto. A convidada era a ministra do meio ambiente, Marina Silva, teoricamente para tratar da criação de áreas de conservação na Amazônia. Mas ninguém ali queria ouvir a ministra. Queriam humilhá-la.
Foi uma emboscada — e das mais rasteiras. Omar Aziz, do PSD, resolveu jogar sobre Marina a responsabilidade pelo atraso da BR-319, como se ela sozinha travasse a modernização da região. Marina explicou, com a serenidade de quem conhece a floresta folha por folha, que a obra está parada desde 2008 e que governos sucessivos se revezam na inércia. A resposta irritou o senador — que foi governador entre 2011 e 2014 —, que disparou que ela “não era mais ética do que ninguém ali”. Uma frase curiosa, porque ser mais ético que a média do Congresso não é tarefa difícil. Um repolho roxo em coma é mais correto que a maioria dos parlamentares.
A situação piorou com o presidente da comissão, Marcos Rogério, que cortou o microfone da ministra no meio de suas respostas e, quando confrontado, mandou que ela “se colocasse no seu lugar”. No caso, o lugar que ele parece achar adequado para uma ministra de Estado é calada ao lado dele.
Mas o troféu da putrefação institucional ficou com Plínio Valério, do PSDB. Ao cumprimentar Marina, ele separou a mulher da ministra: “a mulher merece respeito, a ministra, não”. A mesma Marina que ele já havia dito que tinha vontade de enforcar. Não é mais política, é violência disfarçada de retórica.
Ninguém tratou dessa forma a influenciadora Virgínia Fonseca, que depôs na CPI das Bets e foi tratada como estadista em turismo de luxo. Também foram muito corteses com Carlos Lupi, que foi ao Congresso explicar a maior fraude da história do INSS. Mas Marina, a incômoda, virou alvo coletivo. Porque ela não combina com a Brasília dos conchavos. São tigrões com a ministra e ‘tchutchucas’ com os comparsas.
Mas algo nessa história toda chama ainda mais atenção do que os ataques: o abandono. A única a se levantar em defesa de Marina foi Eliziane Gama. Nenhum líder do governo. Nenhuma palavra do Planalto. Nenhum gesto de apoio. A ministra foi jogada aos leões e, como sempre, enfrentou-os sozinha.
E é aí que mora a tragédia. Essa discussão toda não tem a ver com a qualidade do trabalho da ministra. Eu mesmo acho que a pasta é ineficaz, lenta, burocrática e muitas vezes desconectada da realidade. Mas o que está em jogo não é eficiência, é dignidade. Nenhum ministro de Estado deveria ser tratado com o desprezo institucional que Marina recebeu. Não existe mais institucionalidade: só jogo de poder, alianças rasteiras e gente que acha que decoro é nome de perfume francês.
A pergunta que resta é: até onde Marina vai suportar? Em 2008, ela deixou o governo Lula por muito menos. Foi achincalhada na campanha presidencial que disputou em 2014. Mesmo assim, voltou ao governo petista anos depois, talvez acreditando que o tempo corrija as feridas. Mas Brasília não tem memória, tem interesses, e como diria o velho Brizola, “a política ama traição e odeia o traidor”. E ontem, deixou claro mais uma vez: dignidade não vale nada quando atrapalha o jogo.
Fonte: Zero Hora/Gabriel Sant’Ana Wainer em 28/05/2025